Não perca seu imóvel
Da impossibilidade de capitalização de juros firmados em contratos imobiliários firmados até 7 de julho de 2.009
Depois de algum tempo sem publicar neste espaço, devido [diversos] afazeres profissionais e acadêmicos, voltamos a falar sobre formas de evitar a perda do imóvel para mutuários da habitação, principalmente nesse momento de aguda crise econômica pela qual passa o país.
Vamos falar um pouco das ações revisionais. É certo que o Superior Tribunal de Justiça vem aceitando a capitalização de juros nos contratos bancários, inclusive naqueles que digam respeito à compra de veículos automotores e imóveis.
Particularmente consideramos teratológico [algo pior que absurdo] esse entendimento, uma vez que um débito cobrado pela forma capitalizada cresce de forma exponencial. Expliquemos a razão: a fórmula dos juros compostos [ou do anatocismo] nos é dada pela equação Vf = Vi x (1+i)^ n[1].
Aplicando a fórmula descrita descobriremos que alguém que ficou devendo a um Banco R$ 10.000,00 a uma taxa de juros de 9% ao mês, pelo período de 2 anos, verá essa dívida transformar-se em R$ 79.110,83 (setenta e nove mil e cento e dez reais e oitenta e três centavos)[2].
Essa permissividade com a cobrança de juros afronta diversos dispositivos legais, dentre eles o artigo 157 do Código Civil, que define a lesão contratual e suas consequências[3]. Exatamente por isso, diversos em diversos julgamentos Juízes de Primeira Instância, Tribunais de Segunda Instância e, mesmo o STF tem decidido em razão dos devedores, razão pela qual, particularmente entendemos vale a pena a luta pelos seus direitos contra a [desmedida] ganância das Instituições Financeiras.
No caso do financiamento de imóveis, em recente decisao[4] o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[5], por unanimidade decidiu que em contratos firmados até o advento da Lei 11.977, de 7 de julho de 2.009, é ilegal e inconstitucional a prática de juros compostos. Se considerarmos que imóveis em geral são financiados por prazos de até 30 anos, veremos uma grande quantidade de ações discutindo esse tema, pelo menos até o ano de 2.039[6].
Mesmo nos contratos firmados após a égide da norma, a capitalização somente é permitida se o contrato houver sido escrito de forma suficientemente clara, isto é, que mencione o fato dos juros serem capitalizados e explique ao mutuário o significado econômico disso.
Necessário observar, ainda, que nesses casos por força do artigo 6º, inciso VIII[7] do Código de Defesa do Consumidor e, também por conta do artigo 5º, incisos LVI e LV[8] da Constituição da República de 1.988. Nesse sentido [isto é, pela necessidade da perícia técnica], ademais, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça nos Recursos Repetitivos: REsp Repetitivo nº 1.070.297/PR e do REsp nº 1.124.552/RS[9].
Finalmente, é importante ao mutuário agir, isto é, intentar a ação antes de tornar-se inadimplente e ver seu imóvel ser [legitimamente] arrematado em leilão extrajudicial, normalmente praticado sob a égide da Lei 9.514/1.997 ou do Decreto-lei 70/1.966.
[1] Onde "Vf" é o valor final ao qual se pretende chegar; "Vi" é o valor inicial que se tem, no caso de um empréstimo bancário o valor que se tomou emprestado, por exemplo, no cheque especial; "1" é uma constante nessa equação; i é a taxa de juros praticada dividida por cem (5 por cento = 5/100 = 0,05) e, finalmente; n é o período no qual contar-se-ão os juros (em regra é o número de meses, mas há casos em que bancos e financeiras cobram os juros diários em caso de inadimplemento da obrigação).
[2] Cada vez que vemos esses números nos vem à mente qual a razão do nosso Poder Judiciário, tão ágil em arguir o Princípio da Vedação ao Enriquecimento sem causa em ações de reparação por dano moral, fixando indenizações que [salvo raríssimas e honrosas exceções] se constituem em verdadeira afronta ao lesado, permitem situações como esta.
[3]Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
[4] Apelação número 0125843-64.2003.8.26.0100
[5] Em processo que tivemos orgulho em defender o mutuário.
[6] Estarei com 67 anos de idade.
[7]Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
[8] Art.5ºº Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
[9] Agradecimento especial ao Dr. Luiz Carlos Forghieri Guimarães que nos chamou a atenção para os repetitivos em nossa página na Internet.